sábado, 25 de janeiro de 2014

Os “rolezinhos” já fazem parte da nossa história

Na história da humanidade vários rolezinhos foram dados, nem todos divulgados nas redes sociais, porém, todos acirraram o mesmo nível de conflito. Qual seja, genericamente, o conflito de ocupação de espaços dominados por certos grupos sociais (e, por isso, espaços não ocupados por outros grupos sociais)O mais recenterolezinho esteve presente nos Shoppings Centers das capitais brasileiras.

O conflito neste caso deu-se num espaço símbolo de consumo. Até uns anos atrás o grupo social negro e periférico não ocupava o espaço do consumo, principalmente, um Shopping. Isso é recente devido a algum crescimento numérico e econômico, que não importará nesta reflexão, e então, o espaço de consumo passou a ser um dos anseios do comportamento social daqueles que antes não consumiam por consumir.

Essa escolha do novo espaço social provocou uma reação no outro grupo que, até então, não dividia seu espaço de lazer com as diferenças. Acontece que há um berço histórico deste grupo que vem coagindo “rolezinhos” e dominando os espaços a partir da força, do Estado e do preconceito. Essa divisão de espaços tem como centralidade o poder aquisitivo de bens móveis e imóveis. Tem berço na concentração de renda.

Se pensarmos assim, logo chegamos à conclusão de que se de um lado o grupo é negro e periférico, do outro, o grupo é branco e elitizado, classe média baixa\alta, o qual não quer perder os seus “privilégios”. (Isso mesmo!) Mas esse é o pano da frente do palco. Os atores sociais envolvidos, que hoje lutam para poder consumir num shopping Center, hoje só fazem isso porque um dia e em outras épocas, lutaram para ocupar um espaço de trabalho, ocupar um espaço de ensino, enfim, ocupar os espaços. E por fim, no Brasil, o espaço que ocupam massivamente são (antes as senzalas e hoje) as favelas.
Essa narrativa, até então cansativa e genérica, já pode ser simplificada.

Se a elite branca não quer que a periferia negra ocupe seu espaço de consumo, tampouco hoje quer que ocupe as universidades, os teatros e os hospitais. Claro que são contra todas as políticas públicas compensatórias que facilitem a entrada da juventude negra na Universidade, por exemplo. Campanhas surgem contra as Cotas Raciais em todo período de exame (SISU) para ingresso no ensino superiorE se não há política cultural na cidade que descentralize os espaços culturais, esses jovens também não participam do Estação Ciência ou dos shows na Praia de Tambaú.  E se as linhas de transporte público são escassas nas periferias, ele também não sai de casa para ir ao médico.

Há uma construção para manter as pessoas nos seus devidos espaços.

Para mim o nome dessa construção é racismo. E para mim, ela está para ser desmoronada. A grande contradição nessa história de rolezinho é que o consumo, um valor elitista, traz a reflexão sobre a divisão que encontramos na sociedade. O debate aí não é sobre o constrangimento de um shopping lotado (se não os shoppings fechariam em épocas comemorativas como Natal e dia das mães). O debate é sobre a criminalização do jovem e da jovem negro(a) que é criminalizado(a) por adentrar um espaço que não “é seu”. Não estamos falando aqui de um potencial consumidor que precisa de proteção, que está tendo seu direito de consumir naquele recinto negado.Não estamos falando do direito de ir e vir.

Infelizmente, trata-se de racismo. As partes desses casos não pertencem a um conflito de agora. Os rolezinhos” são retratoà meia luz do que acontece pra valer nas periferias, nesses quinhentos anos de exclusãoSão a ponta do que é o extermínio da juventude negra e pobre. O rolezinho é a contradição que faltava para detonar com aquele argumento de que não existe racismo. Olha só! E quando o argumento deles era de que as Cotas nas universidades eram\são injustas porque há tratamento desigual?! O que dirão sobre as portas automáticas dos Shoppings??!!

As portas dos shoppings abrem pelo sensor automático, que nem vê cor e nem vê classe.

Acontece que ao lado de toda porta automática existe um segurança bem armado, que recebeu ordens bem dadas e que possui respaldos “técnicos” e “jurídicos” para barrar qualquer potencial ameaça. Foi o que aconteceu em João Pessoa, em 2013, num Shopping do centro da cidade. Jovens estavam sendo barrados por conta de sua cor e pelo jeito de se vestir. Então, quando se organizaram para filmar esses atos racistas e expor aos consumidores da praça de alimentação, foram detidos por seguranças armados, levaram socos e pontapés, foram algemados e levados à delegacia.

Mas peraí! O crime é o racismo e não a sua denúncia!

A resposta foi dada nas ruas. A juventude logo marcou uma atividade cultural chamada “Quarta-feira preta, gay e pobre!”. Nesse dia o tal shopping foi fechado e a segurança (triplicada) aguardou todo mundo na entrada principal. Ali a juventude deu a resposta. Se ela não podia entrar, ninguém podia.  Foi um dia perdido para o fanático consumismo no espaço de brancos elitistas da heteronormatividadeGanhamos uma atividade político-cultural que denunciou o racismo. Capoeira, coco de roda, rap, hip-hop, danças, depoimentos e palavras de ordem. A delimitação de um novo espaço através de um velho espaço: a rua.

Porque, se por um lado a classe média se reconhece pelos espaços de consumo que frequenta, como o shopping, por outro lado um espaço que sempre será do povo e sempre por todos será reconhecido, é o espaço da ruaA rua é sempre o meio do caminho para uma conquista de novo espaço.

E daqui pra adiante será assim. A resposta à proibição aos rolezinhos tornou-se nacional, houve identificação em várias localidades brasileiras. E enquanto houver opressão a indignação da juventude aumentará. A juventude que já está pronta para organizar-se para a luta, ocupando os espaços de luta, seja no campo ou na cidade.

Liziane Correia (correia.lizi@gmail.com) -É militante do Levante Popular da Juventude – Paraíba
*texto enviado para a coluna de Direitos Humanos do Jornal Contraponto, no entanto, não publicado na edição desta semana (24 a 30 de janeiro)*

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Por uma questão de milímetros


Quase onze horas da noite, ele estava muito incomodado com a inclinação da poltrona, em qualquer sinaleira vermelha aproveitava aquele tempinho para esticar-se, estalar as costas e procurar uma posição melhor. Mesmo distraída, sentia de longe aquela tensão misturada com pressa, afinal, logo que a sinaleira esverdeasse era mão na marcha! Parecia não agüentar, que não podia mais agüentar, enquanto dirigia tentava encontrar uma posição mais confortável. Era quase uma discussão de relacionamento, só que com linguagem corporal: a máquina queria que o motorista sentasse de uma maneira e este queria sentar-se de outro. Com certeza não conseguiu vencer a discussão. 

Observo. Logo em outras esquinas, pareciam cúmplices, homem e máquina. Era incrível o quanto ele se aproximava dos carros da frente, quase encostando. Sabia exatamente quantos milímetros de distância precisava para que aqueles metros de ônibus não se tornassem um acidente no trânsito. Quantas vezes por dia ele fazia aquela aproximação ? Ao mesmo tempo sutil e corajosa. Claro que precisaria de muito treino. Precisaria fazer muitas vezes por semana, dia e hora. Aquele barulho era do motor ou do homem? Mas logo a coluna incomodava. No sinal fechado eu esperava ansiosamente para sentir a emoção de vê-lo, homem-motor, "encostar" no carro da frente. Para a quebra de minhas expectativas, era o momento dele levantar-se e ajeitar a toalha de seu time de futebol, a qual cobria a cadeira desgastada, quase sem forro, numa tentativa - mal sucedida - de mais conforto. Só de imaginar que aquele homem-motor era capaz de tanta coragem, imaginei que a profissão era antecipada de um alistamento, com testes de vigor físico, testes de saúde mental e corporal. Devem existir filas de milhares de homens esperando ser recrutados! Eles estão em todo o território. Será que em todo território eles testam os nervos por milímetros!? 

Desconfio de imediato. Se eles são tão corajosos, se conhecem tão bem a máquina que dirigem, se conseguem transportar tantas vidas em segurança, se passam por testes de vigor físico e mental e são recrutados - como pode, aquele homem, se entregar às onze horas da noite à uma dorzinha nas costas?! E se ele for apenas "mais um trabalhador"?! Como explicar tantas habilidades? Mesmo sem auto-confiança, sem treinamentos, sem forte vigor físico e mental, sem controle emocional e sem saber se vai transportar tantas vidas em segurança...?!

Aposto numa complexa simbiose entre o homem e a máquina. A confusão que deve ser desfeita está aqui, no seguinte questionamento: em que momento o homem motorista viraria homem-motor? Qual o sentido de seu trabalho? Isso reflete bem como os dois se comportam e como se comportam com os dois. Para sua ação diária, o homem e a máquina precisam de boa aparência, combustível, comunicação através de sinais e até descansam por um mesmo período - e no mesmo lugar ! A segunda parte fica mais difícil, ninguém dá bom dia para o ônibus, claro! Mas essas cordialidades são um detalhe - ao menos num mundo tão veloz e de gente sempre atrasada. Mas, mesmo assim, todos nós precisamos dos dois, do homem e da maquina. Até o motorista da frente e o de trás. Imaginem se o homem ou a máquina quebram. E se quebram no meio de uma avenida? Seria um caos. 
Ninguém chegaria no trabalho, ninguém chegaria na escola, nem no hospital. Os carros começariam a formar filas gigantescas, engarrafando até as cidades mais tranqüilas. Pior seria se todos os homens e todas as maquinas quebrassem ao mesmo tempo. Mas quem tem controle sobre isso?! São coisas que acontecem. Acontecem?!

Percebo que esta confusão não pode ser desfeita com aquela simples pergunta. Os motoristas não são motores, não são máquinas. São trabalhadores vendendo sua força de trabalho, seu tempo de vida, para que, em troca, possam comprar moradia, vestimenta e alimentação. Eles sentem dores na coluna. Quem sabe se estão com os pés inchados depois de 10h trabalhando sentados? Imagino que devam ter muita dor de cabeça, são 10h sujeitos ao trânsito e a nenhum desanso. E quem sabe se aquele trabalhador, a cada vez que se aproxima, milimetricamente, do carro da frente, não está pensando em manter o auto-controle, não está pensando o quanto o seu trabalho é importante para que a cidade se movimente. E se ele estiver pensando em parar a cidade ?Eu, em seu lugar de homem, controlando aquela máquina, faria isso. Perderia a paciência.

Hora de descer. Mais ou menos 40min para chegar. Dou sinal, desejo boa noite, desço. A toalha era do time Vasco da Gama.

Liziane Correia é estudante da UFPB e usuária do transporte publico da capital

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O extermínio das jovens mulheres negras



O extermínio das jovens mulheres negras

“Mama tem calo nos pés
Mama precisa de paz...
Mama não quer brincar mais
Filhinho dá um tempo
É tanto contratempo
No ritmo de vida de mama...
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...”
Chico César


O bárbaro extermínio dos jovens homens negros das comunidades periféricas, vítimas históricas, não nos permite compreender, em primeira mão os motivos pelos quais as jovens mulheres negras das periferias não serem exterminadas, também, em quantidade tão estarrecedora. No entanto, elas são. Quando pensamos de modo amplo, as privações que as mulheres negras das periferias enfrentam desde a infância, as tornam, em si, alienadas de sua vida diante de tantos impedimentos e barreiras para se viver. Logo, consideramos que há o extermínio [da autonomia] dessas mulheres.
Comecemos justificando através das divisões de papeis nas relações sociais: a jovem mulher é aquela que faz as tarefas domésticas, que cria os futuros jovens exterminados e que serão as futuras viúvas dos jovens exterminados. Estão elas, então, no mundo privado, exercendo o trabalho reprodutivo e do cuidado, por isso, estando limitadas a espaços menos “perigosos” que os jovens homens negros.
Essas jovens mulheres também são vítimas de agressão doméstica diariamente: seja pelo pai, pelo irmão ou pelo companheiro. Elas não correspondem aos 92% dos jovens negros exterminados, no entanto, a expressividade é bem maior: a violência doméstica contra as mulheres cresceu 217% no Brasil, segundo o mapa da violência 2012, nos últimos 30 anos. A maioria destas vítimas está estritamente vinculada às atividades do lar e dependem economicamente dos agressores.
As mulheres negras não são aceitas pelo mercado de trabalho brasileiro, agravando toda a situação. Segundo os dados disponibilizados pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres, do Governo Federal, a maioria das mulheres vítimas de violência doméstica tem faixa etária entre 20 e 40 anos (26.676 mulheres) e mais da metade delas depende economicamente do agressor.
O banco de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego realizada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) revela que as mulheres sofrem mais com o desemprego do que os homens. A situação pode ser pelos dados que mostram que, em Fevereiro de 2011, 58,8% dos desempregados em Salvador eram mulheres; em Recife 57,6% dos desempregados eram do sexo feminino; Belo Horizonte marcou 57,9% dos desempregados como sendo de mulheres; o mais surpreendente ocorre no Distrito Federal, no qual 59,7% da população desempregada é composta por mulheres.
As mulheres negras recebem o impacto duplamente, são a maioria entre os 5,3 milhões de jovens de 18 a 25 anos que não trabalham nem estudam no país. Segundo a OIT, baseado em dados estatísticos da Pesquisa Nacional por Amostragem Familiar (PNAD) de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de jovens que não estudam e não trabalham é de 18,8%, mas passa para 29,7% se forem mulheres negras. 
Esse desemprego, entre elas, dá-se também pelo casamento e a necessidade de começar a trabalhar cedo para sustentar a família. Elas estão entre as 40% mais pobres do país. A gravidez precoce é o principal motivo do abandono dos estudos e consequente desemprego, uma vez que mais da metade das jovens nessa situação têm filhos. Segundo a OIT, o mundo do trabalho é mais perverso para as jovens mulheres negras que vivem nas periferias das grandes cidades. O índice de desemprego desse grupo chega a incríveis 30,8%, enquanto que a taxa entre os jovens, de 16,8%, já é quase três vezes superior à dos adultos. 
A violência contra as mulheres não pode ser entendida sem considerar a violência presente nas periferias, nem sem considerar a dimensão de gênero, a violência doméstica, o trabalho reprodutivo, a inferiorização ditada historicamente pelo patriarcado, presente e reproduzida por todo o metabolismo social. Impedir o extermínio de jovens negros e negras requer mudanças educativas e gradativas, econômicas e sociais e muita organização popular para o enfrentamento desta realidade. E, também, o reconhecimento das relações gênero-etnia dentro de um mundo branco e masculino, para que as contradições sejam expostas suficientemente para que a juventude, feminina e negra perceba-se diante de desafios difíceis de ser superados em pouco tempo.

Liziane Correia é estudante de Direito da UFPB e participa do Núcleo de Extensão Popular – Flor de Mandacaru (NEP)

quarta-feira, 6 de março de 2013

MULHERES, MULHERES, MULHERES: costurando, cuidando, protegendo, gestando - trabalhando por um novo mundo!



As mulheres trabalhadoras brasileiras estão inseridas no mercado de trabalho, fazendo parte da classe trabalhadora, no entanto, dentro desta, as relações de gênero tornam-se nítidas para além das questões trabalho-capital, trazendo questões biológicas inerentes às mulheres que as subalternizam e as inferiorizam quando o patrão-capital escolhe quem empregar, como empregar e por quanto ($) empregar a trabalhadora.
Fazendo um recorte de gênero, há informações de bastante relevância. Quando compara-se a taxa de desemprego de homens e mulheres, percebe-se que ela é maior entre as mulheres ao longo dos anos. Em 2012, o IPEA divulgou pesquisa que apresentou os seguintes dados: em 1996, a taxa de desemprego era de 6% para homens e de 10% para mulheres e, em 2009, essa porcentagem variou para aproximadamente 8% e 12%, respectivamente. Isso é mais um sintoma da opressão de gênero ainda presente na atual sociedade, refletida em diversos âmbitos, dentre eles o mercado de trabalho, espaço público historicamente ocupado pelos homens, e que, mesmo estando supostamente aberto às mulheres, não as garante igualdade material.
Outro fator a ser mencionado é o rendimento de trabalho, que apresenta diferenças significativas entre os dois subgrupos, de acordo com os resultados da pesquisa do Instituto referido. Observa-se que a média de rendimentos no ano de 1996, era na faixa de R$ 750,00 para mulheres e R$1150,00 para homens. Dentre as constantes oscilações anuais, manteve-se uma diferença bastante considerável entre os dois subgrupos, indicadora da cruel desigualdade enfrentada pelas mulheres também no mundo do trabalho.
Logo, evidencia-se a necessidade de que dentro/por/apesar de a classe trabalhadora ter mulheres trabalhadoras dentro das lutas pelas condições de trabalho, transversalmente a necessidade de lutar por questões específicas ao gênero feminino é primordial para fortalecer a própria classe trabalhadora. O centro da questão é o perceber-se mulher trabalhadora, oprimida historicamente pelo patriarcado, logo, dirigindo sua consciência de classe à sua consciência de gênero, a medida que sabe que é o “sexo fraco” ou o “sexo dócil” por uma construção social e, percebendo-se nesta condição luta por igualdade e por reparações, ou seja, luta por seus direitos. A classe trabalhadora tem dois sexos, os quais são tratados de  forma diferente pela legislação trabalhista, de forma diferente no ambiente de trabalho, de forma diferente na violação de seus direitos. Por isso, fizemos questão de nesse projeto evidenciar, também, o sexo das palavras-sujeitos, colocando trabalhador e trabalhadora lado a lado.
Dentro das relações de trabalho, é legado à mulher o trabalho reprodutivo, o qual, através da condição biológica, inferioriza e subordina a mulher, consequências que as deixam presas ao trabalho doméstico dentro do modo de produção capitalista, herança do patriarcado. Dentro da divisão sexual do trabalho, as qualificações profissionais das mulheres, na maioria das vezes, segue a lógica da divisão sexual, levando às mulheres a ocuparem espaços profissionais que externalizam o “cuidado com o outro”, a “paciência”, “a organização”, entre outras atribuições impostas ao sexo feminino, por isso, as mulheres ocupam, em grande maioria, os espaços das profissionais enfermeiras, assistentes sociais e empregadas domésticas, por exemplo.
Com essa inserção no mercado de trabalho, faz-se a necessidade de ocupar espaços políticos, espaços que as colocam em confronto às relações de trabalho ditadas pela metodologia capitalista de organização laboral, logo, as mulheres tem a necessidade de lutar por seus direitos enquanto classe trabalhadora, ocupando o espaço de combater duplamente as opressões que são reflexos da sociedade.
Dentro dessas profissões, dentro das contradições do capitalismo, parabenizamos a categoria das Empregadas Domésticas, mulheres em sua maioria, como as que ocupam um antigo lugar de trabalho na divisão sexual do mesmo, mas que, no entanto, organizam-se em luta por direitos, os quais, transversalmente, unem e contradizem, dialeticamente, as lutas contra o patrão, o machismo e o racismo. Pois, como o trabalho feminino vem ao longo da história sendo moldado, as mulheres dessa categoria vem ao longo da história ocupando o mesmo espaço na organização social: mulheres (trabalho doméstico), negras (trabalho escravo-doméstico), trabalhadoras (classe subalterna).
Reconhecendo-se nessa condição social, as mulheres estão organizadas para combater essas opressões e lutarem por seus direitos, os não dispostos em legislações e os já legislados mas não efetivados. As mulheres vêm ocupando os espaços de lutas, de sindicatos. São lideranças, são dirigentes sindicais de gênero e de classe.
A participação feminina no mercado de trabalho aumentou, analisando-se o período de 1996 a 2009, indo de aproximadamente 38% a 42%. Porém, isso não é sinônimo de mudanças nas condições trabalhistas. Os trabalhadores e trabalhadoras como um todo, enfrentam diversas dificuldades, e, as mulheres, em especial, enfrentam diariamente os reflexos de uma sociedade machista, inclusive e não por acaso no âmbito do mercado de trabalho, realidade evidenciada pelos dados apresentados, e que se estende para além deles. Uma forma de violência e opressão de gênero que até hoje se perpetua e diariamente encontra mecanismos e discursos para se camuflar e deslegitimar as reivindicações relativas à igualdade de gênero e melhoria das condições trabalhistas para todos e todas.
Liziane Pinto Correia – estudante de Direito da UFPB, extensionista do Núcleo de Extensão Popular – Flor de Mandacaru.
Jornal O Contraponto, 06 de Março de 2013.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A invisibilidade da carroça, do cavalo e do poder público

“Morreu na contra-mão atrapalhando o tráfego.”
Chico Buarque

A cidade deve ser planejada de acordo com quem já se movimenta nela, atendendo, pois, as necessidades de trabalhadores que todos os dias saem de casa para movimentar a economia local. Trabalhadores das periferias saem todos os dias de casa de carroça com tração a cavalo, ou com carro de mão improvisado ou de bicicleta. O dia de trabalho já se inicia com o risco de locomover-se pelas vias até os seus postos.

Temos um planejamento urbano que prioriza motocicletas, ônibus e carros, e deixa a cada dia sem saída – literalmente – pessoas que ainda não possuem condições de participar do modelo mais “urbanizado” de mobilidade. Quando o Município pensa em infraestrutura (o que pouco acontece) para o trânsito, limita-se a multiplicar e calçar vias, aumentar frotas de ônibus, beneficiando uma parcela da população. Nunca de pensa em alternativas que agreguem todos os meios, como, por exemplo, a construção de largas ciclovias que liguem o Centro Comercial de João Pessoa a outras localidades, que possibilitem a passagem de carroças e cavalos.

A própria construção de um modelo de mobilidade voltada para carros e ônibus dificulta a visibilidade desses atores sociais que participam da vida urbana, trabalham e produzem culturalmente. É como se os carroceiros não existissem em João Pessoa. Ou aparecem apenas quando causam acidentes no trânsito e quando pensamos no “velho”, “antigo”, “rural” e “ultrapassado”. É um choque de realidades inventado. E não passa de uma escolha política de: para quem e por quem a cidade será movimentada.

Já existem ciclovias em João Pessoa, mas elas atendem outra necessidade. Não nasceram com o compromisso de melhorar e/ou desafogar o trânsito, beneficiar trabalhadores das periferias; ela existe como uma política de bem estar, voltada à classes média e alta que usam a bicicleta, na maioria das vezes, como passatempo ou momento fitness.

O questionamento é: qual é e quem é a prioridade quando discutimos a mobilidade urbana em João Pessoa.

Poder optar por que meio de transporte usar, passa pela análise da segurança em utilizá-lo, pelo conforto e pelo preço. Eu, por exemplo, não iria à Universidade de bicicleta por que teria que atravessar quatro grandes avenidas, sendo que nenhuma delas possui ciclovia. Caso houvesse, em um mês o consumo que eu faço andando de ônibus poderia ser reduzido, permitindo que eu investisse o dinheiro economizado no meu próprio estudo.

Na minha concepção, a economia na renda familiar é três vezes maior e mais importante para um carroceiro que recicla papelão pela cidade, ou para um “picolezeiro” que sai do Róger com o seu carrinho e desce a Epitácio Pessoa até a Praia de Tambaú para vender o seu produto e ganhar o seu “pão” do dia, com conforto e segurança numa pista de ciclovia própria. Não que o lazer não seja importante. Mas pelo fato de que a mobilidade não pensada pode causar o desemprego e a inatividade de famílias pessoenses.

Claro que precisamos pensar a mobilidade através de técnicos da engenharia, no entanto, temos que ser mais sensíveis e perceber que a escolha técnica nesses casos é ao mesmo tempo política.

E, atualmente, a política de mobilidade fere o direito do cidadão à movimentar-se por sua própria cidade. Na medida que o poder público investe na indústria de carros individuais, e negocia com empresas de ônibus, ela, claramente, escolhe beneficiar as empreiteiras e não a população.

Ao discutir a mobilidade urbana tornam-se invisíveis os carroceiros e cavalos se forem eles os beneficiados diretos. No entanto, tornam-se visíveis carroceiros e cavalos quando acontecem acidentes no trânsito e se cogita a proibição legal desses meios de transporte. Torna-se invisível o poder público para discussão desse conflito.

Liziane Correia é estudante de Direito da Universidade Federal da Paraíba e
 do Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru

Para o Jornal O Contraponto, 22 de Janeiro de 2013

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Apesar de 2012, para além de 2013


O fim do ano é o momento mais propício para se olhar para o tempo passado, se pensar nos momentos vividos até aqui, avaliar um por um, e, então, planejar os próximos passos, com mais confiança e esperança nos acertos vindouros.
Apesar de tantas violações aos Direitos Humanos em 2012, os processos de fortalecimento das lutas, integração das identidades e publicização das conquistas aconteceram. Marcaram a vida de muitos brasileiros e ficarão na memória de todos que andam aos passos da mudança.
Para exercitar nossa memória, citarei alguns acontecimentos marcantes aqui na Paraíba. Acontecimentos que, apesar de dolorosos, organizaram pessoas para a reconstrução de um novo ano, sem os mesmos desafios; pessoas prontas para impedir que novas injustiças semelhantes aconteçam e fazer valer toda a caminhada de 2012, para além de 2013.
Temos o caso de Enver José - processado injustamente pelos empresários de ônibus da capital-, perseguição política notória por ter liderado centenas de estudantes em passeatas, pacíficas, contra o abuso de poder e excessivo aumento das passagens de ônibus sem a contraprestação de melhores serviços. Hoje, depois de ter várias audiências remarcadas, percorrendo o ano inteiro nessa angústia, Enver foi absolvido.
Os índios Tabajaras continuam cercados pela empresa Elizabeth. No início deste ano, foi relatado ao Ministério Público Federal casos de violência privada, sob o comando da empresa, a qual ameaçou, por meio de força física e psicológica, os índios a se retirarem de suas próprias terras. Os índios continuam na mesma situação de insegurança.
A chamada reurbanização do Bairro São José não aconteceu. Os moradores do bairro conseguiram barrar o projeto inicial, colocado de cima pra baixo, sem diálogo, sem construção com eles - os principais envolvidos. O projeto ameaçava a destruição de algumas casas, a remoção de algumas famílias, a troca de uma casa de grandes dimensões por outra de tamanho padrão e muito menor.
Um caso de repercussão nacional foi o estupro coletivo de 05 mulheres na cidade de Queimadas, no interior da Paraíba. Foi um crime planejado com antecedência, numa cidade em que não é raro as mulheres sofrerem tanta violência. As audiências de julgamento já aconteceram, a reparação para as famílias das vítimas nunca se concretizará. No último dia 04 de Dezembro, mulheres do Campo e da Cidade reuniram-se no centro da nossa capital, em memória das mulheres que sofreram violência e em luta por políticas públicas que concretizem a proteção à vítima.
Por último, relembro o despejo de mais de 40 famílias da favela do Gadanha, próxima à bica, que estavam em seus barracos num terreno abandonado e foram despejados pela força policial, sob o comando da prefeitura municipal. Mulheres e crianças de colo, jovens e adultos foram atirados novamente à rua. Hoje vivem sob outra ameaça de despejo, moram numa escola abandonada no centro da cidade, nenhuma política de reparação é oferecida, apenas chegam ameaças.
O tempo por si é pedagógico, por isso é importante olhar para todos esses acontecimentos do ano. Aprendemos com as experiências passadas e por isso realizaremos novas conquistas.
E em memória de tantas pessoas sofredoras deste 2012, é que devemos planejar o nosso 2013. Não nos contentaremos com a fé de que as coisas serão resolvidas logo, mas sim com o compromisso de estar ao lado dos que lutam, com eles dividindo os próximos passos, no objetivo comum de um próspero ano novo.

Liziane Correia é estudante de Direito da UFPB e do Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Passe Livre: quando a esmola é grande, o Santo desconfia!



Passe Livre: quando a esmola é grande,
o Santo desconfia!

Valendo o segundo turno para a Prefeitura de João Pessoa, os elegíveis têm propostas distintas sobre o transporte urbano. No entanto, nenhuma dessas propostas é uma grande novidade, nem tampouco rompe com o modelo que beneficia, em regra, a própria empresa que recebeu a concessão pública para o transporte aqui na cidade. Vamos lembrar o velho ditado: quando a esmola é grande, o santo desconfia! Nós pessoenses também estamos desconfiados. Estão duvidando da nossa inteligência?
Apesar de não tão expressivo nestes últimos anos, o movimento estudantil da nossa cidade conseguiu encampar algumas lutas por nossos direitos, os quais não são respeitados mesmo quando na letra da lei. Um exemplo gritante é a recarga do Passe “legal”, que, por registro em nosso Diário Oficial, em lei do deputado Gervásio Maia, qualquer estudante secundarista, graduando ou pós-graduando, que tenha documento que declare a sua matrícula\vínculo a estabelecimento de ensino, juntamente a um documento com foto poderá realizar qualquer benefício ou serviço semelhante aquele que a carteira de identificação estudantil permite. Ou seja: “pagar meia” em qualquer evento cultural, ser identificado enquanto estudante e recarregar o seu “Passe Legal”. Mesmo com essa iniciativa aprovada, estudantes estão passando vergonha quando tentam recarregar seus cartões com declarações e documentos com foto. Nenhum posto de recarga da AETC-JP permite a recarga. Desconhecem ou negam os direitos do estudante? Nesses momentos somem prefeitos, PROCON e deputados. O estudante paga o pato, ou melhor: paga inteira!
Quanto aos candidatos, nos parece que o custo benefício para qualquer uma das propostas é a própria limitação do direito à cidade. As propostas parecem gangorras! Enquanto uma permite a ida à escola, não garante que a passagem não aumentará para os outros usuários. A outra, enquanto garante que os trabalhadores e as trabalhadoras pagarão uma única taxa mensal, permite que os mesmos estarão presos ao único sistema de transporte urbano de João Pessoa, não garantindo o aumento da frota e não discutindo melhores condições de trabalho para o motorista e para o cobrador. Nenhuma propõe o equilíbrio entre custo e benefício para nós usuários. Muito menos citam que as empresas respeitarão as normas a que estão submetidas para melhor atenderem aos seus principais usuários consumidores.
Um pouco antes do segundo turno, temos a data 26 de Outubro para recordar. Ela é considerada o dia Nacional de Luta pelo Passe Livre, registrada pela primeira vez em 2005, com manifestação em 14 cidades do Brasil. Foi também nesta data que registrou-se a votação de uma lei de iniciativa popular que contou com 20.000 assinaturas na Câmara de Vereadores de Florianópolis (SC), pelo Passe Livre.
Mais um exemplo que apenas a pressão popular (expressões como movimentos contra o aumento da passagem ou dos ciclistas que questionam o projeto de mobilidade urbana) será capaz de fazer a Administração do município deixar de conceder os nossos direitos aos empresários do transporte. Com a luta, quem sabe o transporte público terá menos características de produto privado e passará a parecer cada vez mais uma política pública – como já deveria ser. A cidade só pode ser de quem se movimenta livremente por ela! Enquanto existirem catracas, eles brincarão com os nossos direitos, sempre em cima das gangorras.

Liziane Correia – é estudante de Direito da UFPB e do Núcleo de Extensão Popular – Flor de Mandacaru (NEP)