terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A invisibilidade da carroça, do cavalo e do poder público

“Morreu na contra-mão atrapalhando o tráfego.”
Chico Buarque

A cidade deve ser planejada de acordo com quem já se movimenta nela, atendendo, pois, as necessidades de trabalhadores que todos os dias saem de casa para movimentar a economia local. Trabalhadores das periferias saem todos os dias de casa de carroça com tração a cavalo, ou com carro de mão improvisado ou de bicicleta. O dia de trabalho já se inicia com o risco de locomover-se pelas vias até os seus postos.

Temos um planejamento urbano que prioriza motocicletas, ônibus e carros, e deixa a cada dia sem saída – literalmente – pessoas que ainda não possuem condições de participar do modelo mais “urbanizado” de mobilidade. Quando o Município pensa em infraestrutura (o que pouco acontece) para o trânsito, limita-se a multiplicar e calçar vias, aumentar frotas de ônibus, beneficiando uma parcela da população. Nunca de pensa em alternativas que agreguem todos os meios, como, por exemplo, a construção de largas ciclovias que liguem o Centro Comercial de João Pessoa a outras localidades, que possibilitem a passagem de carroças e cavalos.

A própria construção de um modelo de mobilidade voltada para carros e ônibus dificulta a visibilidade desses atores sociais que participam da vida urbana, trabalham e produzem culturalmente. É como se os carroceiros não existissem em João Pessoa. Ou aparecem apenas quando causam acidentes no trânsito e quando pensamos no “velho”, “antigo”, “rural” e “ultrapassado”. É um choque de realidades inventado. E não passa de uma escolha política de: para quem e por quem a cidade será movimentada.

Já existem ciclovias em João Pessoa, mas elas atendem outra necessidade. Não nasceram com o compromisso de melhorar e/ou desafogar o trânsito, beneficiar trabalhadores das periferias; ela existe como uma política de bem estar, voltada à classes média e alta que usam a bicicleta, na maioria das vezes, como passatempo ou momento fitness.

O questionamento é: qual é e quem é a prioridade quando discutimos a mobilidade urbana em João Pessoa.

Poder optar por que meio de transporte usar, passa pela análise da segurança em utilizá-lo, pelo conforto e pelo preço. Eu, por exemplo, não iria à Universidade de bicicleta por que teria que atravessar quatro grandes avenidas, sendo que nenhuma delas possui ciclovia. Caso houvesse, em um mês o consumo que eu faço andando de ônibus poderia ser reduzido, permitindo que eu investisse o dinheiro economizado no meu próprio estudo.

Na minha concepção, a economia na renda familiar é três vezes maior e mais importante para um carroceiro que recicla papelão pela cidade, ou para um “picolezeiro” que sai do Róger com o seu carrinho e desce a Epitácio Pessoa até a Praia de Tambaú para vender o seu produto e ganhar o seu “pão” do dia, com conforto e segurança numa pista de ciclovia própria. Não que o lazer não seja importante. Mas pelo fato de que a mobilidade não pensada pode causar o desemprego e a inatividade de famílias pessoenses.

Claro que precisamos pensar a mobilidade através de técnicos da engenharia, no entanto, temos que ser mais sensíveis e perceber que a escolha técnica nesses casos é ao mesmo tempo política.

E, atualmente, a política de mobilidade fere o direito do cidadão à movimentar-se por sua própria cidade. Na medida que o poder público investe na indústria de carros individuais, e negocia com empresas de ônibus, ela, claramente, escolhe beneficiar as empreiteiras e não a população.

Ao discutir a mobilidade urbana tornam-se invisíveis os carroceiros e cavalos se forem eles os beneficiados diretos. No entanto, tornam-se visíveis carroceiros e cavalos quando acontecem acidentes no trânsito e se cogita a proibição legal desses meios de transporte. Torna-se invisível o poder público para discussão desse conflito.

Liziane Correia é estudante de Direito da Universidade Federal da Paraíba e
 do Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru

Para o Jornal O Contraponto, 22 de Janeiro de 2013