sábado, 24 de dezembro de 2011

O fim de ano e os Direitos Humanos


Nas festas de fim de ano compartilhamos com os nossos familiares e companheiros as alegrias conquistadas e as dificuldades que queremos superar, reforçando a união e renovando a esperança por mais conquistas para o ano que está chegando. É o tempo em que estamos munidos de um sentimento geral de comunhão e de renovação da esperança que, misticamente, adentra todos os espaços.

É o período que utilizamos para pensarmos em nós, em nossos próximos e nos outros. No Natal é comum doarmos aqueles pertences que não nos servem mais para os necessitados, os presenteamos com pertences que não teriam a chance de comprar nesta época, em que se confraterniza trocando produtos. É uma maneira simbólica de sermos solidários e fraternos com o irmão mais necessitado, de demonstrarmos que não esquecemos aqueles que não podem ter uma ceia farta.

É, também, um período para fazermos compras (roupas, sapatos, presentes, brinquedos). Bom, se o fim de ano é considerado o tempo da renovação espiritual, está a cada ano se transformando, mais e apenas, na renovação material.  Mas não vamos apenas nos culpar, o problema é que a alma do negócio costuma aparecer com mais intensidade durante o Natal e o Ano Novo - ela está nas decorações, nos panfletos, nos outdoors, nas lojas, na televisão, enfim, está em tudo. E não acaba aí, ela também tem a pretensão de estar em todos nós, é ela que faz nascer em nós uma necessidade de nos livrarmos das coisas antigas, comprarmos coisas novas e presentearmos a todos que queremos bem. Ou seja, é nesta época que ela diz mais forte o que vestiremos, beberemos, comeremos e como presentearemos os nossos próximos e não tão próximos – porém, necessitados.

Para a luta por Direitos Humanos, temos que estender a mística de sentimentos de renovação da esperança e da comunhão para todos os dias do ano. Se é a fraternidade e a solidariedade que buscamos, para que o nosso irmão passe o ano bem, temos um presente para construir com ele - todos os dias - e não podemos cair apenas nas tentações da compra de presentes que a alma do negócio nos oferece. O presente alternativo é simples: um mundo justo e igual. E, para que o construamos, temos que nos doar aos outros, lutar com os outros, nos doar de presente, estando presentes nas lutas por Direitos Humanos.

Neste Natal e neste Ano Novo vamos não só renovar nossa esperança, mas vamos semeá-la. Vamos prometer participar das lutas por Direitos Humanos. Vamos prometer compartilhar do sofrimento daqueles e daquelas que estão sem-teto (30 milhões no Brasil), das famílias que estão sem-terra (1% dos proprietários detêm 46% da terra do Brasil), das pessoas que estão passando fome (mais de um bilhão no mundo), dos trabalhadores que estão desempregados (1,6 milhões no Brasil). Vamos construir as igualdades, para que, durante o ano todo, não sejam violentadas as mulheres (a PB está no 4º lugar nacional em violência contra a mulher), não sejam assassinados os negros (na PB o risco de violência contra os negros é 1.189% maior  e, no Brasil, 65,5% dos assassinados são negros), não sejam assassinados os homossexuais (a PB ocupa o primeiro lugar no ranking nacional de crimes homofóbicos).

Se é a alma do negócio que nos faz esquecer os problemas que temos em comum, - se é ela que nos faz ir a chás de caridade1 em detrimento da luta pela mudança das condições materiais da vida de boa parte da humanidade e se é ela que nos separa da vida dos esfarrapados e miseráveis – vamos planejar para o próximo ano capturá-la e aprisioná-la numa caixinha de presentes, vamos controlá-la e forçá-la a dizer apenas o que nós, homens e mulheres, quisermos nos fins de ano! No ano inteiro! Esse negócio que engana não tem alma¹, nós e os Direitos Humanos temos várias. 

Aos esfarrapados do mundo e ao que neles se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.³

¹ Manoel de Barros, A máquina.
² Nação Zumbi, Propaganda.
³ Paulo Freire

Liziane Correia, estudante de Direito da UFPB e
extensionista do Núcleo de Extensão Popular – Flor de Mandacaru (NEP)


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

É o povo na arte, é arte no povo/ E não o povo na arte, de quem faz arte com o povo¹


A imagem do homem que luta pelo direito à terra e por sua sobrevivência é editada - nos grandes jornais e revistas – sob a película e caneta dos defensores do latifúndio e do agronegócio brasileiro. É um problema histórico que é contado pela grande mídia numa versão maniqueísta baseada no embate Herói x Vilão. Nessas histórias, mal contadas, o herói é aquele que mais se assemelha ao autor do texto.
Quando lemos na mais respeitada revista brasileira que criminosos invadiram a propriedade de uma família rica, tradicional e – acima de tudo - trabalhadora, a qual produz o bastante para contribuir com o desenvolvimento econômico brasileiro, já esperamos um clímax com direito a tumulto, polícia, prisão e assassinatos. O final feliz seria a família com sua paz restabelecida, certo? É essa narrativa que costumamos encontrar. Nela, odiamos àqueles que violam o direito à propriedade privada! Arruaceiros, baderneiros e vagabundos!
No Brasil, 40% das terras – das propriedades privadas – não servem para nada, são improdutivas. Segundo o IBGE, 1% da população detém 50% das terras brasileiras. Aqui, existem 4 milhões de famílias sem terras, desempregadas, sem propriedade privada, com fome, com sede e, sobretudo, cansadas de esperar por uma real ação do Estado.
Esse dado, absurdo, nos faz pensar se todas essas histórias que comumente lemos, sobre esses sem terras, que se movimentam para lutar por uma vida melhor, não seriam também absurdas. Vez por outra, encontramos outros narradores, renomados, mas esquecidos, que se identificaram com a luta por uma vida digna e narraram - em protesto, em esperança e em denúncia - a história de como é conquistar uma vida digna.
Lembremos das últimas violações aos direitos humanos: dos recentes assassinatos de trabalhadores rurais no Pará, dos mais de 800 homens e mulheres que trabalhavam em condições análogas a escravos num latifúndio (usina Infinity) no Mato Grosso do Sul, da perseguição aos trabalhadores rurais (Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, entre 1985 e 2009, foram assassinados 1.469 trabalhadores rurais. Apenas 85 casos foram julgados e somente 19 mandantes receberam condenações). É por essa realidade triste, que consideramos um absurdo todas as histórias que não tem por protagonistas e heróis os Movimentos Sociais – lutadores do povo.
São heróis por que combatem o agronegócio - devastador de florestas, utilizador de mão-de-obra escrava, provocador da expulsão de quilombolas e indígenas dependentes das florestas. São heróis por que erguem a bandeira da Reforma Agrária – que vai garantir a auto-subsistência dos agricultores e a soberania alimentar – 70% dos alimentos consumidos nas cidades são produzidos pela pequena agricultura familiar. Graças ao Movimento Sem Terra, das terras desapropriadas 80% foi por conta das suas pressões organizadas nas ocupações das propriedades, fazendo valer o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que versa sobre a função social da propriedade.
Lemos e assistimos tantas histórias mal contadas! Mas, e se procurarmos aquela ficção, com um enredo quase real, com uma trama que se confunde tanto com a realidade, que defende e está ao lado do povo? Como exemplo, podemos encontrar um Patativa do Assaré, que num Eu quero simples, exprime o desejo de 4 milhões de famílias de trocar a casa de palha, por confortável guarida, de ter uma terra dividida pra quem nela trabalha; falando da Reforma Agrária e pedindo atenção ao Congresso para a situação do camponês e da camponesa.
Tem o João Cabral de Melo Neto (eternizado, também, pela interpretação de Chico Buarque do Funeral de um Lavrador) que retrata o tormento do trabalhador que conquistará um pedaço da terra só com a sua morte, pois, por fim, é a conta menor que tirou em vida, é a parte que lhe coube do latifúndio, é a terra que muitos queriam ter visto dividida.
E no sofrimento e na luta que Os Sertões, de Euclides da Cunha, deixa nascer junto com a nossa indignação - a qual ajuda-nos a buscar por mais elementos históricos que expliquem a injusta apropriação da maioria das terras pela minoria dos homens. O livro retrata o fim da escravidão, a vida de homens sem trabalho e sem terra. Lemos o massacre de Canudos e lemos a morte de pessoas assassinadas pela aliança da República com a imprensa e com os latifundiários. Uma obra factual, escrita em 1902, que consegue nos remeter a tanto deste 2011, reforçando que o problema é histórico e que precisa ser resolvido radicalmente. Apostamos que a solução vem junto com a Reforma Agrária e no reconhecimento das terras indígenas e quilombolas.
A Constituição Federal de 1988 e a Lei Agrária Complementar, em seu texto, tratam da Reforma Agrária, da desapropriação das terras improdutivas. É uma literatura seca, objetiva, ainda não encenada ou transfigurada para a realidade. Mas com uma capa de autoridade, que está tão bem guardada e distante de quem precisa lê-la, que ninguém sabe a hora certa de utilizar. Será que quem a guarda está do lado dos latifundiários e da mídia? Será que são a mídia e o latifúndio que abrem e fecham quando querem os textos normativos?
Hoje eles nos matam / Mas já usaram nossos braços/ Um dia terei terra/ Mas ela já não servirá/ Estará na minha boca/ Não haverá como plantar/ Ao invés de eu ganhá-la/ Ela é quem me ganhará/ Minha nuca é o alvo /Preferido dos jagunços/Falam em reforma agrária/ Mas só vejo latifúndio²
Enquanto alguns escrevem grandes obras artísticas que contam o povo, com o olhar do povo; enquanto outros inventam histórias do povo e para as elites – pessoas sem-terras permanecem na luta, fazendo acontecer as próximas páginas que serão narradas ou distorcidas, mas que ficarão na história do país.
Enfrentar a fome, o desemprego, a mídia, o agronegócio - o capital - é papel protagonizado pelos movimentos de luta pelo direito à terra. É a partir desta contra-hegemonia, que descrevemos hoje, que perceberemos quem será para nós, o grande autor das grandes mudanças no modelo agrícola, no meio ambiente e na estrutura da própria sociedade. E então, os vilões não terão mais onde escrever.

Antônio tinha razão, rebanho da fé. A terra é de todos! A terra é de ninguém! Pisarão na terra dele, todos os seus. E os documentos dos homens incrédulos, não resistirão à Sua ira!³

¹ Trecho da música “Etnia” de Chico Science e Nação Zumbi;
² Trecho da música” Pontal”, da banda paraibana Cabruêra;
³Recorte da Profecia do Pajé Cauã - extraído do livro “Lampião Seu Tempo e Seu Reinado”, vol. 1, Frederico Bezerra Maciel – Interpretada pela banda Cordel Do Fogo Encantado (Testamento da Ira);


Texto para o Jornal Contraponto (de 06 de Agosto)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Quando seu professor do curso de Direito pede para que você faça um trabalho e aponte como o Direito pode resolver um conflito, pq é mais fácil de dar uma solução dentro dos moldes, por ex, do direito civil? E quando seu professor te pede pra dar sugestões jurídicas para desvulnerabilizar um grupo? Segue abaixo, as considerações que levantei sobre o racismo, para um dos professores do semestre passado - não sei se era isso que ele queria ler 
...  na verdade, até acho que ele não leu.


Proposições Jurídicas: A questão negra será resolvida pelo Direito?


 Todos nós sabemos que os negros foram raptados de suas terras natais e vendidos como peças de trabalho por questões econômicas. E foi no “evoluir” destas questões econômicas que a vulnerabilidade negra perpetuou-se e enraizou-se - ou seja, o sentido econômico tomou outras formas, mas sua essência perversa de subjugar raças, sexo, naturalidade etc permaneceu.


Numa análise simplista, podemos perceber que hoje os descendentes de negros ocupam em maioria as camadas mais pobres da população brasileira, vejam só a semelhança com outrora, hoje a continuação daquela sociedade é mantida pelo sistema econômico vigente (Capitalismo ou Neoconservadorismo ou Neoliberalismo) em cooperação com as leis do Direito que regem tanto a sociedade quanto o mercado.


No entanto, hoje, os negros estão organizados em movimentos de Luta. Uma frente combativa à mentalidade histórica que criou os atuais racistas (homofóbicos, moralistas, desenvolvimentistas etc), e, uma frente perseguidora de aberturas políticas no Direito. Sim, políticas. As políticas públicas são um espaço de disputa entre os poderes dominantes e os segregados, pois, é de interesse de parte da população brasileira (condicionada pela formação da mentalidade histórica do país) que os negros não ocupem outras posições de classe no país, é interessante para algumas camadas que os negros continuem a serem “negros” que nem antes do 13 de Maio de 1888.


Mas é quase espantoso – se não soubéssemos o que essa data significou seria muito mais: por que a Lei assinada há mais de cento e vinte anos significou para a economia a qual o Brasil era (é) subverniente um passo desenvolvimentista para o mercado industrial. E para os povos libertos? Os negros seqüestrados passaram a viver bem? Não.


Hoje há uma série de Leis nacionais e internacionais que versam sobre a questão da vulnerabilidade histórica negra.  Lógico, sem uma visão histórica com radicalidade da questão negra no nosso país, as ações afirmativas, as políticas públicas e nenhum outro tipo de reparação fariam sentido. Visto que, a Luta do Movimento Negro pela sua libertação e pelo respeito da sociedade branca, ocidental e cristã é longa, são quinhentos anos de seqüestros, torturas e mutilações culturais comparados a pouco mais de cem anos de “liberdade”. E o que foi feito para mudar a mentalidade histórica?


O Direito, como espaço político hegemônico, vem a doses homeopáticas e por pressão desses grupos vulneráveis organizados tentando re-emoldurar os erros contínuos do passado. O importante a frisar, é que não é o Direito em si que resolverá os conflitos da sociedade atual, no entanto, será a própria sociedade em conflito que tensionará o Direito posto (como vem acontecendo) para que ele se desestruture minimamente e sirva aos grupos que tem seus direitos historicamente violados, como no caso: os negros. E é a Luta dentro da sociedade que reflete e direciona - mesmo com as dificuldades condicionantes, todo novo aparato Legal que tenta servir como “borracha-social” e diminuir aquelas tensões.


Podemos hoje perceber, então, que o racismo escondido nos indivíduos de hoje faz parte de um processo social que transmite à gerações posteriores os mesmos ensinamentos do individualismo, da concorrência, da dominação de outrora só que com máscaras distintas. Nestas máscaras distintas incluímos o Direito, pois, ele quando letra - garantidor dos direitos indistintamente da classe, da raça ou da religião - esconde o Político. Pois, o que restou depois dos 500 anos de escravidão e 120 anos de liberdade foi a exclusão dos negros dos mais variados espaços sociais, ou seja, a normatividade garantidora de todas as gerações de direitos, que temos atualmente, não chegou por algum motivo à classe negra, a qual encontra-se em sua maioria nas comunidades mais pobres do país.


Então vemos o Estado agir minimamente, ainda, para reparar todo o exposto acima através de Leis nacionais e/ou Tratados Internacionais, e ainda com a desaprovação de grande parte da população. Então, falar de soluções Jurídicas para desvulnerabilizar o grupo Negro é incompatível com a sociedade atual que está em processos de mudanças e mentalidades, no entanto, é possível se falar que o Direito é uma ferramenta histórica para mudar o caminho da mentalidade da sociedade no mesmo processo contínuo da nossa história. E é ferramenta utilizada pelo operador jurídico, mas fabricada - à ferro e fogo - pelos Negros Organizados.


Essas ferramentas jurídicas tomam diversos formatos, são Políticas Públicas variadas para inclusão em Instituições de Ensino, para a mulher negra grávida; o Estatuto racial; a própria Constituição Federal de 1988; a Lei anti-Racismo; convenções de Direitos Humanos etc.


A partir dos exemplos, percebemos o quanto essas ferramentas não são satisfatórias justamente porque não foram/serão elas que mudaram/mudarão, a partir de sua vigência, o racismo escondido nos indivíduos brasileiros e no cinismo da política do país. Mas elas amortecem os debates, tentando direcioná-los à uma transformação mínima social.


Considerações


O Direito não solucionará e nem será o responsável pela desvulnerabilização dos negros no país. Há vários atores sociais, escondidos pelo ordenamento, que disputam pela perpetuação da dominação sobre os negros ou pela sua emancipação. Durante o desenvolver do trabalho, concluímos que a luta por direitos é fora do Ordenamento para  alcançá-los de fato.


Aprendemos que essa tensão emancipação x dominação, atualmente, se dá de diversas formas, um exemplo é a questão da demarcação das Terras Quilombolas, que é disputa clara de interesses econômicos dominadores em contraposição à interesses sociais e culturais, básicos, de povos que se fixaram historicamente em um território.


Percebemos que as oportunidades concedidas aos negros no processo de libertação não existiram, e por isso, é difícil encontrarmos negros ocupando cargos estimados pela sociedade, mesmo quando eles são maioria numérica na região.


Percebemos também, no decorrer das aulas de Direitos dos Grupos Socialmente Vulneráveis, que vem se perpetuando um modelo de sociedade que não respeita o conviver em sociedade, ou seja, que tolera as minorias que existem, mas de fato, não suporta que essas minorias convivam com os mesmos direitos. É o que acontece, por exemplo, na questão negra: os negros que tem condições financeiras são cotidianamente confundidos com bandidos ou empregados de lugares mais pomposos.


Finalizamos o trabalho, assertando que a sociedade não muda de uma hora para outra. É muito importante que o Direito se modifique e passe a servir aos grupos vulneráveis, no entanto, é mais importante ainda ressaltar que para modificar, faz-se necessário que estes grupos continuem se organizando em movimentos de defesa e luta por seus Direitos.


Afinal, são as minorias os protagonistas de sua história social. Para que a mentalidade racista advinda do processo histórico de séculos de dominação pela cor se dilua no espaço-tempo, serão mais anos de tensões sociais entre os grupos organizados na conquista de direitos e o ordenamento jurídico aplicado.


Nós, o grupo, finalizamos o trabalho desenvolvido, idealizando um Direito voltado para a transformação social. E com a intenção de nos tornarmos mais que “operadores” da “máquina” técnico-jurídica. Nosso horizonte é o trabalho dentro do Direito para a transformação que só se dará quando, nós, tomarmos consciência de que servimos ao Povo, à classe oprimida, e somos parte da ferramenta de emancipação social completa.

E por isso citamos Berthold Brecht, formado em Direito, poeta alemão do século XX, sensibilizado pelo povo dominado na época, enquanto o direito apenas servia aos ricos, na poesia intitulada Nada é impossível de mudar:


Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. 
E examinai, sobretudo, o que parece habitual. 
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

sábado, 28 de maio de 2011

É nome no progresso de alguns



Quem precisa de ordem pra moldar?
Quem precisa de ordem pra pintar?
Quem precisa de ordem pra esculpir?
Quem precisa de ordem pra narrar?
Quem precisa de ordem?

Agora uma fabulazinha
Me falaram sobre uma floresta distante
Onde uma história triste aconteceu
No tempo em que os pássaros falavam
Os urubus, bichos altivos, mas sem dotes para o canto
Resolveram, mesmo contra a natureza, que haviam de se tornar grandes cantores
Abriram escolas e importaram professores
Aprenderam dó ré mi fá sol lá si
Encomendaram diplomas e combinaram provas entre si
Para escolher quais deles passariam a mandar nos demais
A partir daí, criaram concursos e inventaram títulos pomposos
Cada urubuzinho aprendiz sonhava um dia se tornar um ilustre urubu titular
A fim de ser chamado por vossa excelência

Quem precisa de ordem?
Quem precisa de ordem pra escrever?
Quem precisa de ordem?
Quem precisa de ordem pra rimar?
Quem precisa de ordem?

Passaram-se décadas até que a patética harmonia dos urubus maestros
Foi abalada com a invasão da floresta por canários tagarelas
Que faziam coro com periquitos festivos e serenatas com sabiás
Os velhos urubus encrespados entortaram o bico e convocaram canários e periquitos e sabiás
Para um rigoroso inquérito
"Cada os documentos de seus concursos?" indagaram
E os pobres passarinhos se olharam assustados
Nunca haviam freqüentado escola de canto pois o canto nascera com eles
Seu canto era tão natural que nunca se preocuparam em provar que sabiam cantar
Naturalmente cantavam
"Não, não, não assim não pode, cantar sem os documentos devidos é um desrespeito a ordem!"
Bradaram os urubus
E em uníssono expulsaram da floresta os inofensivos passarinhos
Que ousavam cantar sem alvarás
Moral da história: em terra de urubus diplomados não se ouve os cantos dos sabiás

Quem precisa de ordem pra dançar?
Quem precisa de ordem pra contar?
Quem precisa de ordem pra inventar?

Gonzagão, Moringueira
precisa o quê??
Dona Selma, Adoniran
precisa não!
Chico Science, Armstrong
precisa o quê??
Dona Ivone, Dorival
precisa não!

Muito Obrigado - Mundo Livre S/A

terça-feira, 24 de maio de 2011

Criminoso é esse aumento!

  A estratégia de criminalizar o Movimento Contra o Aumento da Passagem em João Pessoa


Enquanto nada se faz para descobrir o real lucro dos empresários do Transporte Público de João Pessoa, tentam frear o Movimento de Luta pelo Acesso à Cidade.

O companheiro Enver José Lopes Cabral, militante do Movimento Contra o Aumento JP e do Diretório Central dos Estudantes da UFPB (Gestão ViraMundo), que denunciou as condições precárias de trabalho dos motoristas e cobradores, que questionou a planilha de custos das empresas concessionárias do transporte, que destacou o preço abusivo da tarifa, que lutou ao lado de estudantes secundaristas e universitários, com trabalhadores e trabalhadoras – está sendo acusado por tentativa de homicídio por arremessar um artefato em um ônibus com efeitos análogos ao engenho de uma dinamite”.

As tentativas de frear o movimento foram diversas do fim de 2010 pra cá: criaram entidades fantasmas que apoiavam o aumento da tarifa; compraram sindicatos de motoristas e cobradores para estar contra os estudantes nas ruas; pagaram pessoas fardadas de motoristas para baterem nos estudantes; não atenderam algumas reivindicações e tomaram outras por aceitas para depois não executá-las, etc. Agora, tentam criminalizar o movimento, acusam de criminoso a liderança estudantil que fez parte do Conselho Municipal de Transportes e Trânsito (CMTT) e que teve sua participação diluída diante do interesse empresarial de aumentar a tarifa de ônibus.
         
         Usar o Direito como meio de repressão e freio aos Movimentos Sociais Populares não é incomum no modelo de sociedade que estamos. O uso da técnica legalista e dos aparelhos institucionais de poder e repressão servem a quem está dominando a situação, ou seja, serve a quem detém o poder econômico. Comprovamos isso localmente, já que, desde o fim de 2010, a população pede uma auditoria ao Ministério Público das empresas que receberam concessão pública municipal para fornecimento de transporte público. Até agora nenhuma providência foi tomada. Hoje, o transporte se tornou um gasto maior que a alimentação para as famílias pessoenses, ou seja, para a população que não detém o poder econômico. Por isso, nada mais justo que defender o direito do cidadão de pagar uma tarifa menor e adequada à realidade material, seja pela má qualidade do serviço, seja pelo custo. Ou seja, a Justiça devia estar ao lado do povo. No entanto, o direito aqui não é do povo, mas de quem está no comando.

         Não é criativa, mas ainda é eficaz, a tentativa de colocar o nome de “criminoso” num defensor popular de direitos para colocá-lo sob olhares de reprovação da sociedade. É necessário deslegitimar esse jus operandi de perpetuação da dominação pela disseminação de sensos comuns inventados de que os movimentos sociais são baderneiros e nocivos à população. Desconstruir esses discursos que escondem a luta por Direitos, num momento em que estes são transformados em mercadorias, no decorrer “natural” do sistema, não é fácil.  A alternativa a esse modelo de sociedade é a resistência. A unidade precisa mostrar a força de quem luta contra o crime organizado das instituições. É aquilo que ouvimos nos protestos pacíficos: “Criminoso é esse aumento, dois e dez é um assalto!” 

       Enquanto tentam minar a discussão política que contorna todo o direito de ir e vir dentro de João Pessoa, colhemos forças para que os Movimentos e as Organizações Populares estejam em alerta contra esta e outras criminalizações: que as discussões reais não se percam e que as lutas não parem na espera de um Ministério Público decente ou de uma justiça coerente.


Todo apoio a Enver José Lopes Cabral! Lutar não é crime!

quinta-feira, 19 de maio de 2011



A Máquina
trabalha com secos e molhados
é ninfômana
agarra seus homens
vai a chás de caridade
ajuda os mais fracos a passarem fome
e dá as crianças o direito inalienável ao
sofrimento na forma e de acordo com
a lei e as possibilidades de cada uma

[Manoel de Barros]


segunda-feira, 16 de maio de 2011

Enquanto houver dominação e exploração.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

iimaagoo ~ Sistemas de Referência

É ao julgar sobre a concordância ou a discordância de um dado sensível, seja com o sistema do meu universo exterior atual, seja com o de minha imaginação (que provas longas e incessantes me ensinaram a distinguir do primeiro), é ao fazer juízos de comparação, de adequação, de inadequação, de dependência, etc., que eu classifico uma impressão entre as percepções reais ou entre as imagens.
Spaier ~ p.120

sexta-feira, 15 de abril de 2011


Pontal

(Cabruêra)
Eu sou do Pontal
Quero terra pra trabalhar
Eu sou lá do Eldourado
Eu sou do nordeste
Fui empurrado pro norte
Atrás de uma borracha
Eu fui parar na grande mata
Hoje eles nos matam
Mas já usaram nossos braços
Um dia terei terra
Mas ela já não servirá
Estará na minha boca
Não haverá como plantar
Ao invés de eu ganhá-la
Ela é quem me ganhará
Minha nuca é o alvo 
Preferido dos jagunços
Falam em reforma agrária
Mas só vejo latifundio.

domingo, 6 de março de 2011



O iMARGINÁLrio – 01

03 de Março de 2011



O dia amanheceu claro na zona norte, Maria acordou na correria, atrasada, procurando a câmera super foda da sua irmã para fazer a viagem. Descobriu que, por irresponsabilidade sua, a câmera estava no carro do cunhado e que ele não chegaria a tempo. Desesperada e com medo de prejudicar todo o trabalho de campo planejado, ligou para o chefão-editor:
- Ei Tomé, uma péssima notícia.
- Oi Maria Madalena!  Bom dia! O que foi?
- A câmera viajou, só chega 09h. Não vai dar tempo!
- Arruma com outra pessoa. José não tem não?!
- Oxe, massa. Vou ligar.

Madalena liga umas 4 vezes. Pronto, era o que faltava – pensou. José deveria estar dormindo depois de uma noite jogando Street Fighter IV, desistiu da viagem. Apressada e aflita se arruma nas carreira. José liga. Ele levará a câmera.
Pegou o 513, desceu na Epitácio Pesssoa. Tomé ligou. Aquele maldito foi pegar Paulo no intermares e nem pra oferecer uma carona. Pedro estava no mesmo ônibus que ela, desceram juntos e pontuais. A fome apertando. Primeiro chegam Tomé e Paulo, agora só faltava Tomé. Cadê aquele mulesta?
Chegou. A fome batendo. Todos no carro. Tomé queria saber das perguntas que todos prepararam para o Secretário de Cultura de Alagoa Grande. Madalena queria colocar músicas, José já pescava de sono, Pedro quieto.  Paulo nunca não parava de falar, lembrou do Shaolin.
Enquanto as ótimas músicas tocavam, surgiu a ótima idéia de comer tapioca. Era um lugar rápido, de café quente e barato. Gostaram muito. No cardápio, todos estranharam a tapioca que tinha carne de sol e leite moça. Muito estranha. Depois do lanche foi bem ligeiro chegar - com as vozes desafinadas acompanhando Marisa Monte e José rindo sozinho de uma doida bêbada que queimou o pé soltando fogos num churrasco, ali, perto de Alagoa Grande.
- Pergunta pra esse cara da moto onde é o museu de Jackson do Pandeiro.
- Moço, sabe dizer onde é a casa de Jackson do Pandeiro? É isso? – perguntou Paulo.
- É só ir direto, tem uma agência dos Correios. É perto da parede Verde. Uma casa azul.
- Brigado.

Paulo não agüentava mais aquela quentura e o sol. A quentura e o sol. Correu pra dentro do museu. Uma Virgínia receptiva nos atendeu:
- Bom dia! Sejam bem vindos e bem vinda. Vocês que estão esperando seu Lázaro? Querem conhecer o museu enquanto ele não chega?

As capas dos LPs de Jackson do Pandeiro estavam ali na da parede direita, eram muitas, mas não todas. Ele foi o maior ritmista do mundo, alfabetizado aos 22 anos, filho de cantadora/dançarina de coco de roda com um oleiro. Foi morar no Rio de Janeiro ainda jovem, nunca negou que era de Alagoa Grande. Casou três vezes, não teve filhos – era infértil. Sua ex-esposa faleceu no sábado passado, morava em Recife, Almira Castilho, aos 87 anos, dia 27 de fevereiro. Que triste.
Lá na parede esquerda estavam notícias e outras coisas. Numa entrevista Jackson disse que não gostava de política, não cantava isso porque o povo não entendia e, por isso, cantava a vida. Lenine dizia, lá na mesma parede, que Jackson era a cara do domingo. Engraçado, Jackson, tu canta a vida. A vida do povo que leva a Sebastiana pra dançar xaxado e também canta a vida do povo que trabalha no canavial, da briga de marido e mulher, da falta de dinheiro, questiona o progresso brasileiro, diz que o crime não compensa e tem pena do moleque do morro. Será que isso também não é política? As expressões culturais retratam a realidade. A vida está imersa na política, ou seja, cabe ao artista a complexa tarefa de transmutar a realidade em figuras, sons, cheiros, sentidos... Através das figuras que Jackson passava, nas suas letras e ritmos, podemos imaginar em que sociedade e época ele viveu, para que povo e com que povo ele criou seus ritmos. O maior ritmista dos tempos.
Enfim, Jackson voltou para Alagoa Grande no fim de 2008. Foi na criação do seu museu que seus restos mortais, roupas, fotos, composições manuscritas, discos e vídeos formaram grande parte de suas lembranças.

- Maria, olha que engraçado, tem um tijolo ali, é da usina Tanques, a mesma que Margarida Maria Alves foi líder sindical e a mulher disse que Jackson morou por lá perto. Pedro falou com muito entusiasmo, afinal, todos estavam ali para saber um pouco mais sobre a defensora de direitos humanos, lutadora por direitos trabalhistas, flor, Margarida.


Seu Lázaro, bem orgulhoso, pediu para que os “jornalistas” sentassem para ver a gravação que Jackson dizia que era de Alagoa Grande – PB. Não puderam ficar muito, o tempo era curto. Partiram para a Rua Dom Pedro II, a rua da antiga burguesia da cidade, só casa dos antigos usineiros, dizia Lázaro. Logo no início estava o Teatro Santa Ignêz, terceiro teatro da Paraíba, do começo do século XX, orgulho da cidade. A criação de Polônio Zenaide passou um tempo esquecida - a nova geração de artistas da cidade foi para outros palcos, mas o Teatro foi revitalizado e tenta cumprir seu papel.
No meio das falas dentro do Teatro, Tomé revela a ansiedade de conhecer mais a história de Margarida Maria Alves, Lázaro começa a contar um pouco a historia a partir da figura de Judas, o tal mandão coronel da PB, chefe político e econômico de Alagoa. Era um usineiro, era um tempo em que a cidade era ilhada de cana-de-açúcar, só o coronel tinha mais de 7000 hectares de cana! Maria ficou se perguntando quanto é que isso dava em km. Se alguém pudesse ler os pensamentos de Pedro, diria que a imagem passou mais que nítida em sua cabeça quando Lázaro falou da “Lei do cão” que acontecia quando os trabalhadores morriam nas caldeiras ou quando as suas redes de dormir eram cortadas para que eles acordassem e começassem a trabalhar. Vão dizer que não sabem que também foi Judas que mandou matar Pedro Teixeira em Sapé?
José gravou tudo! Paulo ficava abismado com as coisas que esse Judas fazia com os trabalhadores da usina, e a fala de seu Lázaro assustava e prendia a atenção:

- Margarida ajudou a organizar as Ligas camponesas da região, a maioria foi esmagada pela Usina Tanques! Eu quando militava pelo PT, Margarida já não era viva. Quem era viva da minha época era Maria da Penha, que também foi assassinada. Essa tinha uma carga política muito boa, eu ficava besta com as coisas que ela dizia.

- E como é? Não deu em nada a morte de Margarida?

E todos sabem que no final: os que têm dinheiro saem impunes. Até hoje Pilatos, genro de Judas, mandante da morte de Margarida – dizem- está livre, dono do Spazzio em Campina.
Por sorte não tinha só peça ruim em Alagoa, o povo lutador teve referência também num advogado popular, muito amigo de Lázaro, o Israel. Ele denunciava a vida fácil dos usineiros, fundou o PT da cidade, militou com Tiago. Também foi assassinado, coincidentemente na mesma semana que havia sido nomeado Procurador em Guarabira.

A mulher de Lázaro entra depressa no Teatro e o chama no canto. Lázaro volta desconsertado. Revela que é melhor adiantar o passeio, para finalizar logo, pois tem compromisso a tarde inteira. Tomé insiste em falar sobre Israel, afinal, era mais um defensor de Direitos Humanos na nossa terra e pouco conhecido! No meio da fala empolgante revela que tem medo de ser perseguido por estar envolvido com processos da cidade de Itambé.

- Por favor, vamos terminar que está ficando perigoso conversar muito por aqui.

A partir de então todos ficaram apreensivos. Não tinham certeza de qual recado seu Lázaro queria passar, mas as historias estavam tão intensas e umas atrás das outras que o clima de passeio tornou-se tensão. Uma foto na frente do Teatro para recordação e pronto! Entraram no carro. Agora iriam direto ao alvo: o memorial de Margarida Maria Alves.
Paulo enquanto ajeitava-se no espelho, dando uma conferida nos óculos escuros, teve a impressão de que dois caras de moto estavam atrás do carro desde a saída do museu, pensou e resolveu que seria besteira comentar, afinal, a cidade era pequena. Deu um “tchau” para as colegiais de farda bonita e deixou pra lá.
Quando chegaram em frente ao Museu, seu Lázaro indicou onde Margarida foi morta. Ela estava dentro de casa quando alguém a chamou na porta, ela vinha comendo uma espiga de milho. Quando saiu de casa, dois homens de moto – capangas de Pilatos – dispararam balas de calibre 12 na cabeça dela; no mesmo instante a luz da cidade inteira foi cortada e os motoqueiros sumiram.
Todos ficaram espantados com a covardia do ato, contra aquela que abriu mais de duzentas ações para defender os trabalhadores rurais, que venceu tantas lutas... Continuaram conhecendo os cômodos da casa que guardavam a história de Margarida. Viram de fotos dos familiares até cartas internacionais de apoio e objetos pessoais. A mão armada do latifúndio, Margarida: Quantos ainda morrerão?
Na saída despediram-se animados e satisfeitos. Seu Lázaro disse que os levariam até a saída da cidade, ia guiando de moto. Presenteou a garotada com um DVD sobre Jackson, Tomé emprestou primeiro pra Maria. Prosseguiram.
O carro mal deu a partida quando todos foram surpreendidos com um estouro. Eram motoqueiro que tentavam acertar a roda da moto de Seu Lázaro! Ele gritou para que corrêssemos. Tomé, assustado, não sabia o que fazer. Paulo e José gritavam para Tomé acelerar! Pedro e Maria ainda tentavam acreditar no que acontecia.
- O que é isso!?
- Acelera ! Acelera!
- O carro não vai agüentar essa estrada! O que é isso?!
- Pega a ponte! Pega a ponte!

            As pessoas da cidade não entenderam a perseguição.  E logo que se aproximaram da saída da ponte para a estrada de terra os motoqueiros voltaram a atirar. Maria perguntava se Seu Lázaro tinha conseguido sair bem. Ninguém dava importância! Pedro mandava que todos do banco de trás se abaixassem.
            Tomé não parava de acelerar, a moto parecia cada vez mais distante. Todos estavam muito assustados. Paulo tentava ligar para Tadeu ou João Batista, mas o celular da Oi não funcionava em Alagoa. Não sabiam se a policia já estava envolvida na perseguição e não quiseram arriscar.
            - Acho que despistamos! Disse Tomé, ainda apavorado.

            Sem querer chegaram num Engenho, era uma espécie de restaurante da cachaçaria Volúpia. Ninguém sabia o que dizer e nem o que fazer. Resolveram descer e analisar a melhor decisão a ser tomada. Os celulares ainda não funcionavam. Por coincidência, Paulo avista um grande amigo do ensino médio que era de Alagoa e cursava na capital. Para disfarçar o alvoroço – e não sabiam quanto tempo teriam até que descobrissem que estavam ali ou se estavam os esperando na saída para João Pessoa – montaram um plano.
            Para resumir: foi encaminhado que Paulo iria com o seu amigo, de carro, fazer uma ronda nos arredores da cachaçaria e nas principais saídas da cidade. Ligariam de algum numero da Tim para a própria cachaçaria avisando se havia algo suspeito ou se o caminho estava seguro para a turma do Jornal sair em segurança, daí então, Paulo e seu amigo partiriam para JP.
            E assim se procedeu. Como isso levaria tempo. A turma, que aguardaria a ligação, resolveu não arriscar. Estavam assustados. A idéia da vez foi partir para Areia – cidade vizinha. E quando desse um tempo, retornariam à João Pessoa. Subiam a serra um pouco mais calmos, Tomé sentia o peso da responsabilidade, ele que marcara a viagem, ele que tinha envolvimento com processos perigosos, e isso martelava os seus pensamentos. Pedro pensou que nunca mais esqueceria esse dia, ele que tinha recém entrado no Jornal e recém saído do pacato jornal do Uiraúna, onde nunca fora perseguido. Maria de tão nervosa tenta dormir, José tentava acalmá-la em seus braços.
            Ninguém tinha coragem de falar. Estavam processando. Não podia ter acontecido isso de verdade. Será que foi um engano? E se não foi? Quem haveria interesse de caçá-los?
            Desligaram o carro na praça principal de Areia. Conversaram muito sobre o acontecido. Não deixaram relatar os encaminhamentos tirados dali.
Mas o que se pode falar, e que todos tem certeza, é que a próxima edição do Jornal foi vivida por eles, e agora sentiam na pele um pouco do que os defensores de Direitos Humanos devem sofrer. Pensaram no que um projeto político e visão ideológica de vida pode trazer àqueles que lutam por um mundo melhor, em quantas escolhas e abdicações os militantes sofrem, além de retaliações, por conta de suas escolhas.
Depois desse dia o Jornal, que estava passando por reformulações no seu quadro de colaboradores e de postura política, teve uma consolidação que ultrapassava o fim acadêmico ou o objetivo da informação. Todos queriam mais.
Um escudo e um espelho. Era isso que sentiam e não sabiam expressar.

Vão conseguir?

A terra é de todos!
A terra é de ninguém!
Pisarão na terra dele, todos os seus.
E os documentos,
Dos homens incrédulos,
Não resistirão à sua ira!
 (...)
Filhos do caldeirão,
                Herdeiros do fim do mundo,
               Queimai vossa história: tão mal contada!


[Em Alagoa Grande, hoje, vivem cerca de 28.000 pessoas. 
Cerca de 18.000 vivem de bolsa-família. A Prefeitura é a maior empregadora: são uns 5000 servidores.
A periferia da cidade foi construída pela Usina Tanques, ela começou a construir miseráveis no momento em que comprou Engenhos vizinhos e expulsou seus trabalhadores. 
E então, na década de 50 era formada a periferia da cidade.
[Um tempo depois é a usina que fecha e desemprega mais de 500 trabalhadores.]