Os “rolezinhos” já fazem parte da nossa história
Na história da humanidade vários “rolezinhos” foram dados, nem todos divulgados nas redes sociais, porém, todos acirraram o mesmo nível de conflito. Qual seja, genericamente, o conflito de ocupação de espaços dominados por certos grupos sociais (e, por isso, espaços não ocupados por outros grupos sociais). O mais recente“rolezinho” esteve presente nos Shoppings Centers das capitais brasileiras.
O conflito neste caso deu-se num espaço símbolo de consumo. Até uns anos atrás o grupo social negro e periférico não ocupava o espaço do consumo, principalmente, um Shopping. Isso é recente devido a algum crescimento numérico e econômico, que não importará nesta reflexão, e então, o espaço de consumo passou a ser um dos anseios do comportamento social daqueles que antes não consumiam por consumir.
Essa escolha do novo espaço social provocou uma reação no outro grupo que, até então, não dividia seu espaço de lazer com as diferenças. Acontece que há um berço histórico deste grupo que vem coagindo “rolezinhos” e dominando os espaços a partir da força, do Estado e do preconceito. Essa divisão de espaços tem como centralidade o poder aquisitivo de bens móveis e imóveis. Tem berço na concentração de renda.
Se pensarmos assim, logo chegamos à conclusão de que se de um lado o grupo é negro e periférico, do outro, o grupo é branco e elitizado, classe média baixa\alta, o qual não quer perder os seus “privilégios”. (Isso mesmo!) Mas esse é o pano da frente do palco. Os atores sociais envolvidos, que hoje lutam para poder consumir num shopping Center, hoje só fazem isso porque um dia e em outras épocas, lutaram para ocupar um espaço de trabalho, ocupar um espaço de ensino, enfim, ocupar os espaços. E por fim, no Brasil, o espaço que ocupam massivamente são (antes as senzalas e hoje) as favelas.
Essa narrativa, até então cansativa e genérica, já pode ser simplificada.
Essa narrativa, até então cansativa e genérica, já pode ser simplificada.
Se a elite branca não quer que a periferia negra ocupe seu espaço de consumo, tampouco hoje quer que ocupe as universidades, os teatros e os hospitais. Claro que são contra todas as políticas públicas compensatórias que facilitem a entrada da juventude negra na Universidade, por exemplo. Campanhas surgem contra as Cotas Raciais em todo período de exame (SISU) para ingresso no ensino superior. E se não há política cultural na cidade que descentralize os espaços culturais, esses jovens também não participam do Estação Ciência ou dos shows na Praia de Tambaú. E se as linhas de transporte público são escassas nas periferias, ele também não sai de casa para ir ao médico.
Há uma construção para manter as pessoas nos seus devidos espaços.
Para mim o nome dessa construção é racismo. E para mim, ela está para ser desmoronada. A grande contradição nessa história de rolezinho é que o consumo, um valor elitista, traz a reflexão sobre a divisão que encontramos na sociedade. O debate aí não é sobre o constrangimento de um shopping lotado (se não os shoppings fechariam em épocas comemorativas como Natal e dia das mães). O debate é sobre a criminalização do jovem e da jovem negro(a) que é criminalizado(a) por adentrar um espaço que não “é seu”. Não estamos falando aqui de um potencial consumidor que precisa de proteção, que está tendo seu direito de consumir naquele recinto negado.Não estamos falando do direito de ir e vir.
Infelizmente, trata-se de racismo. As partes desses casos não pertencem a um conflito de agora. Os “rolezinhos” são retratos à meia luz do que acontece pra valer nas periferias, nesses quinhentos anos de exclusão. São a ponta do que é o extermínio da juventude negra e pobre. O “rolezinho” é a contradição que faltava para detonar com aquele argumento de que não existe racismo. Olha só! E quando o argumento deles era de que as Cotas nas universidades eram\são injustas porque há tratamento desigual?! O que dirão sobre as portas automáticas dos Shoppings??!!
As portas dos shoppings abrem pelo sensor automático, que nem vê cor e nem vê classe.
Acontece que ao lado de toda porta automática existe um segurança bem armado, que recebeu ordens bem dadas e que possui respaldos “técnicos” e “jurídicos” para barrar qualquer potencial ameaça. Foi o que aconteceu em João Pessoa, em 2013, num Shopping do centro da cidade. Jovens estavam sendo barrados por conta de sua cor e pelo jeito de se vestir. Então, quando se organizaram para filmar esses atos racistas e expor aos consumidores da praça de alimentação, foram detidos por seguranças armados, levaram socos e pontapés, foram algemados e levados à delegacia.
Mas peraí! O crime é o racismo e não a sua denúncia!
A resposta foi dada nas ruas. A juventude logo marcou uma atividade cultural chamada “Quarta-feira preta, gay e pobre!”. Nesse dia o tal shopping foi fechado e a segurança (triplicada) aguardou todo mundo na entrada principal. Ali a juventude deu a resposta. Se ela não podia entrar, ninguém podia. Foi um dia perdido para o fanático consumismo no espaço de brancos elitistas da heteronormatividade. Ganhamos uma atividade político-cultural que denunciou o racismo. Capoeira, coco de roda, rap, hip-hop, danças, depoimentos e palavras de ordem. A delimitação de um novo espaço através de um velho espaço: a rua.
Porque, se por um lado a classe média se reconhece pelos espaços de consumo que frequenta, como o shopping, por outro lado um espaço que sempre será do povo e sempre por todos será reconhecido, é o espaço da rua. A rua é sempre o meio do caminho para uma conquista de novo espaço.
E daqui pra adiante será assim. A resposta à proibição aos “rolezinhos” tornou-se nacional, houve identificação em várias localidades brasileiras. E enquanto houver opressão a indignação da juventude aumentará. A juventude que já está pronta para organizar-se para a luta, ocupando os espaços de luta, seja no campo ou na cidade.
Liziane Correia (correia.lizi@gmail.com) -É militante do Levante Popular da Juventude – Paraíba
*texto enviado para a coluna de Direitos Humanos do Jornal Contraponto, no entanto, não publicado na edição desta semana (24 a 30 de janeiro)*
*texto enviado para a coluna de Direitos Humanos do Jornal Contraponto, no entanto, não publicado na edição desta semana (24 a 30 de janeiro)*