segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Quando seu professor do curso de Direito pede para que você faça um trabalho e aponte como o Direito pode resolver um conflito, pq é mais fácil de dar uma solução dentro dos moldes, por ex, do direito civil? E quando seu professor te pede pra dar sugestões jurídicas para desvulnerabilizar um grupo? Segue abaixo, as considerações que levantei sobre o racismo, para um dos professores do semestre passado - não sei se era isso que ele queria ler 
...  na verdade, até acho que ele não leu.


Proposições Jurídicas: A questão negra será resolvida pelo Direito?


 Todos nós sabemos que os negros foram raptados de suas terras natais e vendidos como peças de trabalho por questões econômicas. E foi no “evoluir” destas questões econômicas que a vulnerabilidade negra perpetuou-se e enraizou-se - ou seja, o sentido econômico tomou outras formas, mas sua essência perversa de subjugar raças, sexo, naturalidade etc permaneceu.


Numa análise simplista, podemos perceber que hoje os descendentes de negros ocupam em maioria as camadas mais pobres da população brasileira, vejam só a semelhança com outrora, hoje a continuação daquela sociedade é mantida pelo sistema econômico vigente (Capitalismo ou Neoconservadorismo ou Neoliberalismo) em cooperação com as leis do Direito que regem tanto a sociedade quanto o mercado.


No entanto, hoje, os negros estão organizados em movimentos de Luta. Uma frente combativa à mentalidade histórica que criou os atuais racistas (homofóbicos, moralistas, desenvolvimentistas etc), e, uma frente perseguidora de aberturas políticas no Direito. Sim, políticas. As políticas públicas são um espaço de disputa entre os poderes dominantes e os segregados, pois, é de interesse de parte da população brasileira (condicionada pela formação da mentalidade histórica do país) que os negros não ocupem outras posições de classe no país, é interessante para algumas camadas que os negros continuem a serem “negros” que nem antes do 13 de Maio de 1888.


Mas é quase espantoso – se não soubéssemos o que essa data significou seria muito mais: por que a Lei assinada há mais de cento e vinte anos significou para a economia a qual o Brasil era (é) subverniente um passo desenvolvimentista para o mercado industrial. E para os povos libertos? Os negros seqüestrados passaram a viver bem? Não.


Hoje há uma série de Leis nacionais e internacionais que versam sobre a questão da vulnerabilidade histórica negra.  Lógico, sem uma visão histórica com radicalidade da questão negra no nosso país, as ações afirmativas, as políticas públicas e nenhum outro tipo de reparação fariam sentido. Visto que, a Luta do Movimento Negro pela sua libertação e pelo respeito da sociedade branca, ocidental e cristã é longa, são quinhentos anos de seqüestros, torturas e mutilações culturais comparados a pouco mais de cem anos de “liberdade”. E o que foi feito para mudar a mentalidade histórica?


O Direito, como espaço político hegemônico, vem a doses homeopáticas e por pressão desses grupos vulneráveis organizados tentando re-emoldurar os erros contínuos do passado. O importante a frisar, é que não é o Direito em si que resolverá os conflitos da sociedade atual, no entanto, será a própria sociedade em conflito que tensionará o Direito posto (como vem acontecendo) para que ele se desestruture minimamente e sirva aos grupos que tem seus direitos historicamente violados, como no caso: os negros. E é a Luta dentro da sociedade que reflete e direciona - mesmo com as dificuldades condicionantes, todo novo aparato Legal que tenta servir como “borracha-social” e diminuir aquelas tensões.


Podemos hoje perceber, então, que o racismo escondido nos indivíduos de hoje faz parte de um processo social que transmite à gerações posteriores os mesmos ensinamentos do individualismo, da concorrência, da dominação de outrora só que com máscaras distintas. Nestas máscaras distintas incluímos o Direito, pois, ele quando letra - garantidor dos direitos indistintamente da classe, da raça ou da religião - esconde o Político. Pois, o que restou depois dos 500 anos de escravidão e 120 anos de liberdade foi a exclusão dos negros dos mais variados espaços sociais, ou seja, a normatividade garantidora de todas as gerações de direitos, que temos atualmente, não chegou por algum motivo à classe negra, a qual encontra-se em sua maioria nas comunidades mais pobres do país.


Então vemos o Estado agir minimamente, ainda, para reparar todo o exposto acima através de Leis nacionais e/ou Tratados Internacionais, e ainda com a desaprovação de grande parte da população. Então, falar de soluções Jurídicas para desvulnerabilizar o grupo Negro é incompatível com a sociedade atual que está em processos de mudanças e mentalidades, no entanto, é possível se falar que o Direito é uma ferramenta histórica para mudar o caminho da mentalidade da sociedade no mesmo processo contínuo da nossa história. E é ferramenta utilizada pelo operador jurídico, mas fabricada - à ferro e fogo - pelos Negros Organizados.


Essas ferramentas jurídicas tomam diversos formatos, são Políticas Públicas variadas para inclusão em Instituições de Ensino, para a mulher negra grávida; o Estatuto racial; a própria Constituição Federal de 1988; a Lei anti-Racismo; convenções de Direitos Humanos etc.


A partir dos exemplos, percebemos o quanto essas ferramentas não são satisfatórias justamente porque não foram/serão elas que mudaram/mudarão, a partir de sua vigência, o racismo escondido nos indivíduos brasileiros e no cinismo da política do país. Mas elas amortecem os debates, tentando direcioná-los à uma transformação mínima social.


Considerações


O Direito não solucionará e nem será o responsável pela desvulnerabilização dos negros no país. Há vários atores sociais, escondidos pelo ordenamento, que disputam pela perpetuação da dominação sobre os negros ou pela sua emancipação. Durante o desenvolver do trabalho, concluímos que a luta por direitos é fora do Ordenamento para  alcançá-los de fato.


Aprendemos que essa tensão emancipação x dominação, atualmente, se dá de diversas formas, um exemplo é a questão da demarcação das Terras Quilombolas, que é disputa clara de interesses econômicos dominadores em contraposição à interesses sociais e culturais, básicos, de povos que se fixaram historicamente em um território.


Percebemos que as oportunidades concedidas aos negros no processo de libertação não existiram, e por isso, é difícil encontrarmos negros ocupando cargos estimados pela sociedade, mesmo quando eles são maioria numérica na região.


Percebemos também, no decorrer das aulas de Direitos dos Grupos Socialmente Vulneráveis, que vem se perpetuando um modelo de sociedade que não respeita o conviver em sociedade, ou seja, que tolera as minorias que existem, mas de fato, não suporta que essas minorias convivam com os mesmos direitos. É o que acontece, por exemplo, na questão negra: os negros que tem condições financeiras são cotidianamente confundidos com bandidos ou empregados de lugares mais pomposos.


Finalizamos o trabalho, assertando que a sociedade não muda de uma hora para outra. É muito importante que o Direito se modifique e passe a servir aos grupos vulneráveis, no entanto, é mais importante ainda ressaltar que para modificar, faz-se necessário que estes grupos continuem se organizando em movimentos de defesa e luta por seus Direitos.


Afinal, são as minorias os protagonistas de sua história social. Para que a mentalidade racista advinda do processo histórico de séculos de dominação pela cor se dilua no espaço-tempo, serão mais anos de tensões sociais entre os grupos organizados na conquista de direitos e o ordenamento jurídico aplicado.


Nós, o grupo, finalizamos o trabalho desenvolvido, idealizando um Direito voltado para a transformação social. E com a intenção de nos tornarmos mais que “operadores” da “máquina” técnico-jurídica. Nosso horizonte é o trabalho dentro do Direito para a transformação que só se dará quando, nós, tomarmos consciência de que servimos ao Povo, à classe oprimida, e somos parte da ferramenta de emancipação social completa.

E por isso citamos Berthold Brecht, formado em Direito, poeta alemão do século XX, sensibilizado pelo povo dominado na época, enquanto o direito apenas servia aos ricos, na poesia intitulada Nada é impossível de mudar:


Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. 
E examinai, sobretudo, o que parece habitual. 
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

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