segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Choque do plano ideal com o material / parte ii


 

Nosso grupo de extensionistas tentou chegar ao diálogo com os moradores do Timbó através de uma parceria com a Prefeitura Municipal de João Pessoa que nos deu sinal para fazer visitas ao Centro de Referência Comunitária do Timbó. O primeiro problema é que, pelo difícil acesso à comunidade, o CRC fica fora da comunidade, ou seja, ...

Nas primeiras visitas dialogamos com a representante do Centro sobre o que era o projeto e os objetivos. Ela concordou e marcou uma primeira reunião com os moradores lá dentro da própria comunidade. Foi nosso primeiro contato de perto com os problemas visíveis e audíveis do local. Foi numa Associação de moradores - que segundo muitos não funcionava, mas possuía liderança. Estavam lá apenas mulheres, algumas com os filhos de colo, mais de vinte mulheres da associação de mulheres da comunidade. Fora alguns alunos e o professor ... nenhum outro homem.

Quando apresentamos nosso projeto notamos um distanciamento e então começaram a falar que vários projetos chegavam lá e nunca se concluíam e que todas já estavam cansadas desse discurso todo que encorajava "uns" para depois abandoná-los.

Tentamos mostrar que tínhamos uma proposta diferenciada, de diálogo, que não estaríamos ali para encaminhamentos jurídicos individuais, queríamos escutar o que havia de mais problemático ali na opinião das mulheres para que todos juntos pensássemos numa solução. Elas ficaram todas mudas. O professor insistiu na pergunta do que existia de problema ali que elas achavam que poderíamos ajudar a mudar. Um silêncio sintomático. Então começamos a propor uma outra reunião, em outro local, onde todas estivessem mais a vontade pra falar. Talvez uma reunião fora da comunidade. Uma mais corajosa confirmou que ninguém gostaria de correr o risco de falar algo ali dentro da comunidade. Enquanto isso alguns homens tentavam ver/ouvir o que se passava na reunião pela porta.

Encerramos a reunião marcando outra reunião numa creche que ficava um pouco mais pra fora da comunidade e, ao mesmo tempo, distante dos lares das mulheres que gostariam de falar algo. Assim correriam menos perigo.


 

"Temos perguntado, investigado, procurado saber as razões prováveis que levam os camponeses ao silêncio, à apatia, em face da nossa intenção dialógica? E onde buscar estas razões, senão nas condições históricas, sociológicas, culturais, que os condicionam? Admitindo uma vez mais as mesmas hipóteses para efeito de raciocínio, diremos que os camponeses não recusam o diálogo porque sejam, por natureza, refratários a ele. Há razões de ordem histórico-sociológica, cultural e estrutural que explicam sua recusa ao diálogo. Sua experiência existencial se constitui dentro das fronteiras do antidiálogo."
FREIRE, P.48, Extensão ou Comunicação?


 

No dia do novo encontro, quando estávamos todos juntos esperando o transporte da prefeitura, o professor recebe uma ligação da representante do CRC dizendo que a reunião estava desmarcada devido um tiroteio no local.

Depois desse evento, tentamos outro encontro, resultado: esvaziamento. As mulheres não compareceram. Apenas foram a representante do CRC e a da associação das mulheres. Nos disseram que quando saímos de lá nosso grupo foi apelidado de "Advogados das Mulheres". O que é um problema, primeiro porque esse título não condizia como nossa proposta coletiva, segundo porque mostra que não fomos bem "vistos" ou "quistos" por alguma forma de dominação interna que queira manter a situação do local. O certo é que muitas mulheres da comunidade sofrem violência doméstica, o que talvez seja o problema raiz da situação criada.

Começamos a tentar outro meio de atingir a comunidade. O que encontramos foi um anexo de uma Escola Integrada para Jovens, Adultos e Adolescentes (EIJAA) lá na comunidade que alfabetizava jovens e adultos. Depois de semanas tentando reuniões com a Diretora e depois com ela e a Professora conseguimos um contato direto com os alunos/moradores do Timbó.

No primeiro contato, depois de falarmos da proposta da extensão, eles levantaram vários problemas da comunidade, nenhum falou da violência, das drogas, da violência doméstica ... no entanto alguns atacaram o Estado e a Prefeitura, também falaram dos problemas ambientais e de saneamento básico.

Saímos de lá com o calendário apertado, pois, eles estavam entrando em recesso escolar.

A visita que marcamos depois dessa foi cancelada em cima da hora. A justificativa foi dada pelas chuvas que impossibilitavam a entrada na comunidade e a saída dos estudantes de casa para a escola. Remarcamos. Novamente, próximo ao nosso tão esperado dia para iniciarmos as dinâmicas de integração a Professora ligou avisando que não cederia mais os momentos de sua aula devido ao tempo para conclusão de conteúdo. Observação: os encontros aconteceriam uma vez por mês.

Contatamos uma parceira da prefeitura, da secretaria de desenvolvimento, para pedir uma explicação/satisfação e expor os acontecimentos. Elas nos contou que, também por ser ano eleitoral, a comunidade fica dividida entre lideranças internas, e que, uma dessas lideranças não estava permitindo esses encontros porque acreditava que a representante do CRC era a responsável pelo engajamento das pessoas na extensão, e pela rixa e mil outros problemas do local, estávamos realmente freados esse ano , não poderíamos dar continuidade ao projeto lá.

O que foi uma experiência válida. Inesperada, já que, nos outros dois bairros (Mangabeira e Jardim Veneza) as coisas estavam acontecendo, não como o planejado, mas moldando o planejado. Indo bem. A falta de acesso (via dupla) do nosso grupo à comunidade e da comunidade ao nosso grupo nos faz refletir quanto complexas são as relações interpessoais e os meios de dominação reproduzidos pelas mesmas pessoas que já se encontram dominadas/oprimidas. E então voltamos ao Paulo Freire, é difícil o processo de conscientização. E assim os opressores oprimem tanto os oprimidos e tornam tão comum os discursos de opressão que os próprios oprimidos viram opressores.


 

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