“Mama tem calo nos pés
Mama precisa de paz...
Mama precisa de paz...
Mama não quer brincar mais
Filhinho dá um tempo
É tanto contratempo
No ritmo de vida de mama...
Filhinho dá um tempo
É tanto contratempo
No ritmo de vida de mama...
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...”
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...”
Chico César
O bárbaro extermínio dos jovens
homens negros das comunidades periféricas, vítimas históricas, não nos permite
compreender, em primeira mão os motivos pelos quais as jovens mulheres negras
das periferias não serem exterminadas, também, em quantidade tão estarrecedora.
No entanto, elas são. Quando pensamos de modo amplo, as privações que as
mulheres negras das periferias enfrentam desde a infância, as tornam, em si,
alienadas de sua vida diante de tantos impedimentos e barreiras para se viver.
Logo, consideramos que há o extermínio [da autonomia] dessas mulheres.
Comecemos justificando através
das divisões de papeis nas relações sociais: a jovem mulher é aquela que faz as
tarefas domésticas, que cria os futuros jovens exterminados e que serão as
futuras viúvas dos jovens exterminados. Estão elas, então, no mundo privado,
exercendo o trabalho reprodutivo e do cuidado, por isso, estando limitadas a
espaços menos “perigosos” que os jovens homens negros.
Essas jovens mulheres também são
vítimas de agressão doméstica diariamente: seja pelo pai, pelo irmão ou pelo
companheiro. Elas não correspondem aos 92% dos jovens negros exterminados, no
entanto, a expressividade é bem maior: a violência doméstica contra as mulheres
cresceu 217% no Brasil, segundo o mapa da violência 2012, nos últimos 30 anos. A
maioria destas vítimas está estritamente vinculada às atividades do lar e
dependem economicamente dos agressores.
As mulheres negras não são
aceitas pelo mercado de trabalho brasileiro, agravando toda a situação. Segundo
os dados disponibilizados pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para
Mulheres, do Governo Federal, a maioria das mulheres vítimas de violência
doméstica tem faixa etária entre 20 e 40 anos (26.676 mulheres) e mais da
metade delas depende economicamente do agressor.
O
banco de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego realizada pelo Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) revela que as
mulheres sofrem mais com o desemprego do que os homens. A situação pode ser pelos
dados que mostram que, em Fevereiro de 2011, 58,8% dos desempregados em
Salvador eram mulheres; em Recife 57,6% dos desempregados eram do sexo
feminino; Belo Horizonte marcou 57,9% dos desempregados como sendo de mulheres;
o mais surpreendente ocorre no Distrito Federal, no qual 59,7% da população
desempregada é composta por mulheres.
As mulheres
negras recebem o impacto duplamente, são a maioria entre os 5,3
milhões de jovens de 18 a 25 anos que não trabalham nem estudam no país. Segundo
a OIT, baseado em dados estatísticos da Pesquisa Nacional por Amostragem
Familiar (PNAD) de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o percentual de jovens que não estudam e não trabalham é de 18,8%, mas
passa para 29,7% se forem mulheres negras.
Esse desemprego, entre elas, dá-se também pelo
casamento e a necessidade de começar a trabalhar cedo para sustentar a família.
Elas estão entre as 40% mais pobres do país. A gravidez precoce é o principal
motivo do abandono dos estudos e consequente desemprego, uma vez que mais da
metade das jovens nessa situação têm filhos. Segundo a OIT, o mundo do
trabalho é mais perverso para as jovens mulheres negras que vivem nas
periferias das grandes cidades. O índice de desemprego desse grupo chega a
incríveis 30,8%, enquanto que a taxa entre os jovens, de 16,8%, já é quase três
vezes superior à dos adultos.
A violência contra as mulheres não pode ser entendida sem considerar a
violência presente nas periferias, nem sem considerar a dimensão de gênero, a
violência doméstica, o trabalho reprodutivo, a inferiorização ditada
historicamente pelo patriarcado, presente e reproduzida por todo o metabolismo
social. Impedir o extermínio de jovens negros e negras requer mudanças
educativas e gradativas, econômicas e sociais e muita organização popular para
o enfrentamento desta realidade. E, também, o reconhecimento das relações
gênero-etnia dentro de um mundo branco e masculino, para que as contradições
sejam expostas suficientemente para que a juventude, feminina e negra
perceba-se diante de desafios difíceis de ser superados em pouco tempo.
Liziane Correia é estudante de Direito da UFPB e participa do Núcleo de
Extensão Popular – Flor de Mandacaru (NEP)